Muito cobra-se do jornalista ética e imparcialidade. Ao vasculhar a opinião dos leitores, encontramos quase sempre uma reivindicação de maior responsabilidade do repórter. Sem dúvida, quanto maior nele é o dolo, a moral e o respeito, melhor é a matéria e, em teoria, mais representatividade terá o profissional.
Na imprensa brasileira, essa qualidade liga-se diretamente com a serenidade do texto. O bom jornalista é o comedido, o equilibrado. Medir as palavras, refrear comentários fortes, ambientar a questão dando voz a ambos os lados – fundamentos básicos para o bom jornalismo. Nesse sentido, exemplos na imprensa nacional não faltam e, seguramente, são numerosos em qualquer veículo de comunicação.
Em suma, o jornalismo é qualificado de acordo com o comportamento do jornalista que o pratica. Quando comedido, pouco se diz da informação presente no texto. Talvez, deva-se à pouca prática do leitor com as técnicas da comunicação. Talvez, à franqueza e integridade do material e daquele que o redigiu. Seja como for, o mérito da questão fica aquém da real importância do jornal e dos seus profissionais.
A redação ponderada, criteriosa e séria não é sinônimo de polidez. Ao apresentar a questão e suas respectivas interpretações, o repórter sempre encontra-se numa situação contraditória. Até mesmo a existência de diferentes pensamentos sobre um episódio acarreta uma oposição. A opinião de um desagrada e vai contra a do outro. Eis então a impossibilidade real de um texto agradar a ambos os lados envolvidos em uma discussão.
Se o jornalismo sério deve buscar a imparcialidade, a visão ampla e o maior entendimento da questão em pauta, o bom leitor, aquele que preza um bom veículo e boas matérias, ele deveria portanto estar habituado a ouvir (no caso do papel, ler) opiniões que não são necessariamente as suas. A tolerância é imprescindível para a melhor análise de um objeto, seja ele reportagem, entrevista, critica, opinião, etc.
Entretanto, a noção de boa imprensa no Brasil enfoca sempre a amabilidade do conteúdo. Seja na própria composição da tópico, ou no seu aprofundamento, na discussão. Os fundamentos do jornalismo ético são completamente abandonados na avaliação que o “leitor médio” faz de uma reportagem. Qualquer elemento que desequilibre essa harmonia, seja na matéria ou no próprio pensamento do leitor, leva este a classificar o registro como tendencioso, imaturo, polemizador, reacionário, panfletário, entre outros.
Os maus profissionais conhecem essa particularidade. Mais que isso, exploram essa deficiência criando, assim, um receptor cada vez mais domesticado e letárgico. Utilizando-se do artifício da moderação, veículos induzem ideologias, padrões de comportamento, de pensamento, opiniões e, até mesmo, publicidade.
O “leitor ideal” teria parado no primeiro parágrafo desse texto. Ao ler a última palavra da última sentença, ele voltaria para reler algo que causou certa estranheza. Depois de feito, soltaria um “Hein?” mental e suspenderia a leitura por um segundo.
“- Dolo? E desde quando ‘dolo’ é qualidade?”
E ele tem razão! “Dolo” significa ardil, fraude, má-fé, com conhecimento do mal que faz. Portanto, uma qualidade ligada diretamente aos maus profissionais. Entretanto, para um leitor que não possua o conhecimento do vocábulo, ou descuidado, a informação passaria como certa. A palavra poderia ser substituída por uma sentença de pensamento, de ideologia, de opinião. Dentro de um contexto que envolva o leitor, essa noção passaria como verdade. Com uma repetição constante, o leitor passa a ser condicionado pensar e agir conforme a opinião.
Essa prática está longe de ser uma exceção. Ela é quase que um dos alicerces de qualquer discurso, uma ferramenta útil e necessária para difundir o conhecimento. Pode-se encontrá-la em todos os jornais, sem ressalvas. Isso não é culpa do mau caráter do autor, embora, às vezes, seja. O que leva o entendimento do texto como malícia, na maioria das vezes, não está na retidão, ou falta desta, do autor.
Os homens, quer queiram ou não, dividem certos conceitos. Vida, bem-estar, segurança, compaixão, liberdade: todas essas noções, em menor ou maior grau, comandam a maioria absoluta da humanidade. Divergimos na forma com que acreditamos poder conquistá-los. Dessa diferenças surgem as ideologias, as correntes de pensamento, a postura que adotamos perante a vida – que é idêntica para todos.
O leitor brasileiro inverte os papéis. O bom jornalismo nem sempre precisa ser sereno e moderado. A verdade machuca. O confronto de idéias é essencial. E tudo isso gera polêmica. O bom jornalista não precisa sempre dizer o que o leitor quer ouvir.
A tolerância deveria ser aplicada na mente do leitor. Diante de idéias opostas, ao invés de taxar, classificar imediatamente, ele deveria comedir-se e meditar sobre a questão. Analisá-la de forma honesta. Prestar atenção em ambos os argumentos e depois confrontá-los. Diante do resultado, teria uma opinião sua, individual, livre; ao invés de receber tudo mastigado. Deveria aprender a comer, a informar-se, a debater, a ouvir, a criticar, em suma, deveria aprender a pensar.
O essencial não é saber as coisas, mas saber raciocinar sobre elas.
A frase não é minha, mas, isso, são outros quinhentos…
Publicado em 2006 no overmundo